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quarta-feira, 14 de agosto de 2013

ARTIGO - SAUDADE por Iran Padilha

Eu sempre dediquei uma atenção muito especial ao vocábulo `saudade`, até pelo fato do mesmo só existir na língua portuguesa. Não que este sentimento não possa ser sentido por outras pessoas de nacionalidades diferentes. Em verdade, até hoje, não compreendo bem o seu significado, uma vez que é cantado em prosa e verso que a saudade é provocada pela ausência de algo e em especial de alguém que se foi.

Ora, como posso sentir saudade de alguém que conseguiu partir? Como posso sentir saudade de alguém que se foi sem deixar nada em mim? Como posso sentir saudade de pessoas que partem tão verdadeiramente que não conseguem deixar sequer lembranças? Não, a saudade que sentimos não provém da ausência de alguém em nossas vidas. 

Ao contrário do que a maioria pensa, a saudade provém justamente da incapacidade de algumas pessoas se ausentarem de nossas vidas. A saudade nada mais é do que a presença constante de alguém que não conseguiu partir ou, quem sabe, a saudade seja a presença de alguém que nós não permitimos que se fossem verdadeiramente.

Pois é, meu velho, todos nós sentimos saudade, porque todos nós precisamos nos ver em outras pessoas, principalmente naquilo que mais admiramos em nós mesmos. Na verdade a saudade que sentimos de algo ou de alguém, nada mais é do que a saudade que sentimos de nós próprios, do que existe de iluminado dentro de nós. A saudade serve como forma de afirmação daquilo que somos e que só conseguimos ser no outro.

Como afirmou Todorov o eu é produto dos outros que, por sua vez, ele produz. De tal forma que a anulação, o distanciamento do outro significa, no mínimo, o enfraquecimento do “eu”. Daí a saudade que sentimos do outro nada mais ser do que a saudade que sentimos de nós próprios.

Na verdade, somos prisioneiros do EU exterior porque não conseguimos viver plenamente o EU interior. Daí a saudade que sentimos dos outros nada mais ser do que a afirmação do Eu interior que projetamos nas coisas e nas pessoas das quais imaginamos ter saudade.

Prof. Iran Padilha (artigo publicado no Jornal de Hoje) 

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